quinta-feira, 23 de setembro de 2010

que delícia.

ele passou correndo esbarrou no meu ombro, pediu desculpas, sorriu e voltou a correr. ele ficou sentado lendo jornal numa cafeteira em copacabana, bem ao lado do sebo onde eu compro os meus deliciosos livros com cheirinho de literatura antiga. ele comprou uma porção de batatas fritas e uma coca grande; falava de boca cheia, arrotava e dizia que o juiz que apita o jogo do (meu) botafogo é um filho da puta. ele me viu do outro lado da lanchonete e reconheceu que eu era a menina do esbarrão, olhou nos meus olhos como quem pede desculpas novamente. voltou a comer suas batatitas. não bebia a coca, a degustava, como se fosse vinho. 'conheço bem esse tipo de prazer estúpido' pensei, 'achava que fosse a única.' seu amigo chega, com uma camisa do vasco, eles se chamam de viado, mas eu duvido muito. continuo fingindo que digito no computador enquanto o observo. o normal seria dizer que tinha traços harmoniosos, barba bem aparada, óculos que indicassem mais intelectualidade. não vou mentir. seus traços eram brutos, grossos, quase assustadores. sua barba (é claro que ele tinha barba) apresentava uma falha no queixo e estava por fazer, quase como se suja. não existiam óculos, seus olhos eram quase estúpidos. havia também uma cicatriz vertical que descia do topo da sobrancelha até um pouco antes dos cílios, quase que grotesca. o vasco faz um gol. ele se irrita, degusta mais um gole de coca com os olhos fechados. a cicatriz olha para mim. ele procura algo na sua maleta, deve ter saído do trabalho e vindo pra cá ver o jogo. retira um cigarro e um isqueiro. seu amigo rí dele, por um motivo que desconheço. acende o cigarro. seu isqueiro é automático, personalizado. a imagem nele é o rei de ouros. me pergunto se ele se chama Júlio, se sabe o que o rei de ouros significa pro mundo inteiro, se teria curiosidade de saber o que a carta significa pra mim. ele fecha os olhos enquanto traga, quer sentir a nicotina e todo o percurso que ela irá fazer. não fuma por vício, ele domina o cigarro, fuma por prazer. solta a fumaça e a observa. esqueceu do jogo, sabe que o (meu) botafogo vai perder mesmo. traga de novo, dessa vez de olhos abertos. queria saber o que ele pensava naquele momento. como ele vê o mundo. será que o nome dele é Júlio Cesar? solta a fumaça. gol do botafogo. 'el loco porra!' eu penso. ele apenas sorri, sereno. com todas aquelas caracteristicas extremas e rudimentares, drogado e marcado pelo tempo. quase poderia ser feio, quase. 'esse aí já encanta com os defeitos' pensei 'tomara que não tenha qualidades.'

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